terça-feira, 9 de outubro de 2018

5 - Pessoas de Travanca com História



Luís Martins Borges
- Um Homem determinado



Fig. 1- Luis Martins Borges


Luís Martins Borges nasceu no séc. XIX e viveu até ao 1º terço do séc. XX. Tendo sido uma figura destacada de Travanca de Lagos, terra onde nasceu em 15/09/1854, veio a falecer, de forma inesperada, no Rio de Janeiro com 78 anos.

Luís Martins Borges era filho de proprietários rurais, bem implantados no tecido social de Travanca, Manuel Martins Borges e Ana Maria de Jesus, ele de Travanca e ela de Negrelos, terra de onde também eram naturais os seus avós maternos, proprietários locais, chamados Manuel Ferrão e Angélica Maria. Os seus avós paternos eram de Andorinha, chamavam-se Manuel Martins e Maria Borges.

Contemporâneo de Basílio Freire, curiosamente foi o pai deste, Luís Augusto da Costa Freire, e a sua tia, Dona Josefa Soares da Costa Freire que foi considerada Santa assim eram as suas virtudes, foram padrinhos de batismo de Luís Martins Borges.










Fig.2 – Casa de Manuel Martins Borges                                                                            Fig.3 – Vista lateral

Os seus Pais casaram em 24/01/1850 e estabeleceram-se no coração de Travanca, por detrás da igreja Matriz, numa casa em estilo vernacular de grande envergadura (Fig.2). Viriam a ter 4 filhos. Luís Martins Borges, a sua irmã Ana De Jesus Martins Borges, que mais tarde viria a casar com José Mendes derivando para a família Borges Diniz, Maria da Conceição, que veio a falecer solteira, e António que faleceu novo, com apenas 24 anos, em 1883. 


Para infortúnio da família a mãe, Ana Maria de Jesus, faleceu muito nova com apenas 38 anos, em 1865, ficando Luís Martins Borges, com apenas 11 anos, órfão de mãe juntamente com os seus três irmãos. 

Volvidos cerca de 3 anos o seu pai viria a casar novamente, em 23/04/1867, com aquela que, até então, fora a criada de servir da casa, Inácia Teresa da Costa, natural de Gavinhos de Cima. Tinha o seu pai 45 anos e a futura madrasta 35 anos. Esse facto terá sido determinante no futuro do núcleo familiar. 

Aos 16 anos, determinado, Luís Martins Borges recorre a um Juiz de Paz alegando maus-tratos da madrasta e uma vida insustentável com o pai, o qual responde favoravelmente dando-lhe razão e permitindo que se fizessem as partilhas pela morte de sua mãe. Iria viver com os irmãos para uma casa ao lado embora, pela sua parte, tenha sido por pouco tempo. Com 18 anos vende os seus bens e emigra para o Brasil. 

O seu pai viria a aumentar a descendência, agora com Inácia Teresa da Costa. Em 1870 morre, com 7 meses, um menino chamado Eduardo. Tiveram ainda mais 3 filhos, Abílio Martins Borges, Pai do “Zé Grande”, também conhecido por Zé do Abílio, Francisco e Joaquim Martins Borges, conhecido como Ferrador. 

É no Brasil que a vida e a sorte de Luís Martins Borges mudam. Conhece a sua futura esposa, uma jovem chamada Leonor Marques Pires Vaz, natural do Engenho Velho, Rio de Janeiro, filha de um Oficial da Marinha, José Ferreira Vaz, e de Bernardina Marques Pires Vaz que, por sua vez, era filha de um riquíssimo Fazendeiro, também ele Oficial da Marinha, que terá ido para o brasil com a Corte de D. João VI, em 1807. 

Esse riquíssimo Fazendeiro, que se instalara no Rio de Janeiro no início do séc. XIX, casara com uma jovem de ascendência alemã, Valquíria de seu nome, com a qual tivera 2 filhos. Bernardina e um outro que morreu no parto. Criaram uma grande fortuna como fazendeiros de café, sendo também proprietários de uma companhia de navegação, a Fidelenses. A filha, Bernardina Marques Pires, casou com um oficial da marinha, José Ferreira Vaz, com o qual viria a ter 13 filhos, sendo Leonor a filha mais velha que veio a casar com Luís Martins Borges.

Fig.4 – LMB com cerca de 40 anos


Casam por volta do ano de 1888, ele com cerca de 34 anos e ela com apenas 16 anos. Juntos tiveram 8 filhos, infelizmente Leonor acabou por morrer prematuramente e de uma forma arrastada, com Tuberculose, curiosamente com a mesma idade com que morrera a mãe de Luís Martins Borges, 38 anos. Além da mulher, teve ainda o infortúnio de ver morrer 6 dos seus 8 filhos, 2 com 5 ou 6 anos e 2 com aproximadamente 29 anos, vítimas de Pneumónica, tendo estes últimos deixado 3 filhos cada um. Sobreviveu o seu filho Osvaldo, que se tornou médico e fez carreira no Brasil, e a sua filha Olímpia, que ele fez questão de batizar em Travanca de Lagos, em 17/9/1895. Foram seus padrinhos os senhores da Quinta das Hortas, D. Amélia Soares de Albergaria e José de Campos Freire.


 Proprietário abastado instalado no Rio de Janeiro na Boulevard 170, avenida onde possuía imensos prédios, vivia dos negócios e dos seus rendimentos. Vinha a Travanca frequentemente, onde passava longos tempos com a família, sempre acompanhado da sua neta Elsa, que ficara órfã e ao seu cuidado e que mais tarde viria a casar com o Dr. Álvaro dos Santos Madeira, médico e benemérito de Travanca, já aqui referenciado num artigo.









Fig. 5- Entroncamento, com a casa de LMB ao fundo. Foto 1920                                                                                   Fig.6-Antiga casa de LMB ( foto atual)

Em 1915, já viúvo de Leonor, Luís Martins Borges inaugura a sua casa do Entroncamento, cheia de opulência e ao gosto colonial (fig.5 e 6). Tivera o seu 2º casamento, cerca de 3 anos antes, com D. Augusta Guimarães, uma Brasileira de 50 e poucos anos, já viúva e sem filhos. Ele teria cerca de 58 anos. Juntos viveriam cerca de 20 anos.


Fig. 7 - Luís Dinis Rodrigues, cerca de 1920

Em 1923 a sua filha Olímpia casa, em Travanca de Lagos, com Luís Dinis Rodrigues (Fig.7), um jovem Capitão de Engenharia recém-chegado da 1ª Grande Guerra, onde estivera incorporado no CEP - por Lisboa, terra onde vivia. Os seus pais moravam no Entroncamento, tal como a família Borges. Em Travanca, era conhecido por Capitão Rodrigues. 


É, sobretudo, a partir da década de 20 que ele desenvolve a sua ação filantrópica e de beneficência em Travanca de Lagos. Tal como ficou registado num artigo anterior intitulado A Capela de S.tº António, Luís Martins Borges patrocinou, por volta de 1923, a reconstrução e beneficiação da dita capela, de cujo orago ele era um grande devoto. Como católico praticante, integra a centenária Irmandade de S. Pedro exercendo o cargo de mordomo efetivo no ano de 1923/24 e assumindo, em 1924/25, o cargo de Juiz, embora a título honorífico visto que passava muito tempo no Brasil, sobretudo no período do verão.



 Fig. 8 - LMB e família na antiga casa paroquial de Travanca cerca de 1920 





  Fig. 9 – A Irmandade num cortejo de São Pedro , cerca de 1920

A sua neta, D. Leonor Borges Rodrigues, cujo pai, Capitão Rodrigues, fez questão que nascesse em Travanca, tal era também a sua paixão pela Terra, ainda conviveu com o avô na sua infância. Ela conta um episódio que a deixava um pouco constrangida e que retrata, de certa maneira, o tecido social de Travanca desse tempo. Quando ia à missa, a sua família e também a família Antunes Vaz da Quinta do Covelo, professores primários de Travanca e amigos da família, tinham sempre o seu lugar marcado, destacado nos bancos da ala direita, ala onde mais ninguém se sentava. À frente da ala esquerda, sentavam-se os homens e só no fim, nas últimas filas dessa ala, se sentavam as mulheres, que não se misturavam, mostrando uma terra ainda muito atrasada e feudal.

Fig. 10 – Foto extraída de uma notícia de um jornal local de 1929


Luís Martins Borges era um grande entusiasta da Tuna de Travanca, talvez por influência da sua vivência por terras de Vera Cruz. Acompanhava-a assiduamente e seria um dos seus principais financiadores na época. Cerca de 1929 acompanha-a ao Ervedal da Beira, por ocasião das festas a Nossa Sr.ª da Boa Viagem, onde a Tuna participa num concurso, vindo a obter o 1º prémio (fig.10). Como ficou registado num artigo anterior, em A Tuna de Travanca de Lagos, no dia do seu aniversário, festejado a 15 de Setembro, sempre que este era passado em Travanca a Tuna vinha tocar à sua porta, presenteando-o com músicas a seu gosto, e era convidada, então, a subir sendo bem recebida com bolos e vinho.

Fig.11 – Lavadouro público do Lameiro (bastante degradado atualmente)


Nesse período, promove e financia a construção do 1º lavadouro público em Travanca, situado no Lameiro. Até então, as mulheres lavavam a roupa no rio com os pés dentro de água, quer fosse verão ou inverno. Promove, ainda, uma escola noturna para adultos, tal seria o índice de analfabetismo naquele tempo. Oferece, também, um órgão para a igreja que já não iria ouvir tocar pois viria a falecer inesperadamente no Rio de Janeiro, em 1932, vítima de uma queda em circunstâncias muito suspeitas. 

Segundo consta, terá morrido devido a uma pancada na cabeça, num cenário muito suspeito e mal esclarecido. Faleceu precisamente quando se preparava para fazer o seu testamento onde, naturalmente, iria salvaguardar os filhos e os netos do seu primeiro casamento, distribuindo a sua grande fortuna. Tal não aconteceu, tendo a esposa herdado metade de tudo quanto possuía e que viria mais tarde a deixar a um sobrinho. 

















Fig. 12 - Rua Luis Martins Borges                                                     Fig. 13- Placa com o nome da rua



Em 25 de Setembro de 1966, a população de Travanca de Lagos homenageou Luís Martins Borges com a atribuição do seu nome a uma rua, precisamente junto à sua antiga casa, uma iniciativa promovida por algumas figuras de Travanca, especialmente José da Silva Garcia, presidente da Liga de Melhoramentos e pelo presidente da Junta, António de Brito Tavares. (fig. 12, 13 e 14) 


Luís Martins Borges foi um homem muito respeitado em Travanca. Teve uma vida plena e afortunada e ao mesmo tempo trágica, marcada pelas mortes prematuras da mãe, mulher e filhos e com a sua própria morte, de certa forma, também ensombrada. Mas, acima de tudo, foi um homem determinado, com uma grande força e vontade de viver, que soube sempre contornar os contratempos da vida e que muito contribuiu com o seu espírito, e também com a sua fortuna, para o bem-estar das gentes de Travanca de Lagos, pelo que deve ser reconhecido e recordado pelas gentes desta terra que tanto amou.



Fig. 14 - Recorte da notícia do Jornal A Comarca de Arganil, 1966





sexta-feira, 22 de junho de 2018

4 - Pessoas de Travanca com história



Doutor Basílio Freire
                    - Uma breve homenagem


Fig. 1 – Reprodução de quadro a óleo sobre madeira, de Basílio Freire, existente na biblioteca de Anatomia da FMUC.

Chamava-se Basílio Augusto Soares da Costa Freire e foi um prestigiado médico, professor catedrático de Anatomia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, dos finais do séc. XIX. Nasceu em Travanca de Lagos, a 7 de Maio de 1857, há precisamente 161 anos, vindo a falecer de forma inesperada com cerca de 70 anos, em 7 de Janeiro de 1927, quando saía de sua casa, situada no Penedo da Saudade em Coimbra, com destino à sua aula de anatomia. Segundo consta das notícias da época, na Gazeta de Coimbra (fig.2), foi uma morte muito sentida pela população de Coimbra, por todo o Corpo da Universidade, pelos alunos e pelos seus discípulos. Deixou duas filhas, uma casada com o Dr. Caeiro da Mata, que viria a ser Ministro de Salazar, e outra casada com o Dr. Álvaro de Magalhães, advogado no Porto.

Fig. 2 – Gazeta de Coimbra de 27 de janeiro de 1927


Era Filho de uma família tradicional de Travanca de Lagos de proprietários de prestígio, a família Soares da Costa Freire, que descendiam dos Soares Coelho, Morgados de Andorinha. O seu pai, Luís Augusto Soares da Costa Freire, natural de Travanca, faleceu com 49 anos, tinha o Dr. Basílio apenas 3 anos de idade. A sua mãe, Maria dos Prazeres da Costa Freire Castelo Branco, era natural de Nogueirinha, Meruge. Também os seus Avós paternos, Manuel Soares Coelho da Costa Freire e Teresa Bernarda Soares, eram de Travanca. Por curiosidade, refira-se que, a sua avó, falecida em 1853, ainda ele não tinha nascido, foi sepultada na desaparecida capela de São Pedro, já aqui referenciado num artigo anterior, num período em que já não eram permitidos enterros em igrejas ou capelas há mais de 20 anos. O seu avô materno, António da Costa Freire Castelo Branco, era de Midões e a sua avó, Maria Teresa de Jesus Emília de Miranda, era de Nogueirinha, Meruge, tal como a sua mãe.

Fig.3 – Casas da família Soares da Costa Freire (onde também viveu a irmã do Dr. Basílio, Maria do Carmo).


Era primo direito da Dona Amélia Soares de Albergaria, a matriarca da Quinta das Hortas já referida no artigo sobre essa quinta. Teve duas irmãs, uma chamada Amélia Soares da Costa falecida prematuramente, com 25 anos, casada com Elísio Mendes Borges e outra de nome Maria do Carmo Soares da Costa, que casara com Diamantino Marques Neto, da família Costa Pereira de Travanca, também já mencionado num artigo a propósito da tuna de Travanca. Viviam todos perto da Fonte de Baixo, entre as Quelhas do Loureiro e o Outeiro.

    

Fig.3 – Portão de entrada da provável casa dos avós do Dr. Basilio. Fig.4 – Casa onde nasceu o Dr. Basílio Freire (construída em 1846).


Ainda novo, foi estudar para Coimbra. Em 1875 estava matriculado em Filosofia e Matemática e em 1879 matriculou-se em Medicina, que veio a terminar em 10 de Abril de 1886. Nesse ano, apresenta a sua dissertação de Doutoramento subordinada ao tema ”Os Degenerados”, uma obra dedicada à loucura e à Psiquiatria (fig. 5 e 6). Três anos mais tarde, em 1889, apresenta a sua dissertação de concurso na Faculdade de Medicina, para professor de Anatomia, com o estudo de Antropologia Patológica “ Os Criminosos”, obra dedicada ao crime e à criminologia (fig. 7 e 8). Ambas as suas publicações, bastante relacionadas entre si e amplamente referenciadas no âmbito forense, refletem uma nova visão sobre o crime e a loucura, uma abordagem positivista da antropologia criminal, estando na base da criminologia moderna em Portugal.


 
Fig. 5 e 6 – Tese de Doutoramento em Medicina “ Os Degenerados

  
Fig. 7 e 8 – Tese de concurso à Candidatura para professor de Anatomia da FMUC “ Os Criminosos”.

Cedo iniciou a carreira de professor de Anatomia, primeiro como professor substituto da Cadeira de Anatomia Descritiva e Comparada, em 1889, depois como Lente, em 1893, e de 1912 a 1925 foi Professor Catedrático de Anatomia, sendo considerado como uma grande referência da Universidade de Coimbra. Nos anos 50 do séc. XX foi homenageado, durante um congresso de cirurgia, como um dos 3 grandes vultos da Escola Anatómica de Coimbra (fig.9).

Fig. 9 – Cartaz do XX curso de aperfeiçoamento e revisão da FMUC.

Dos vários cargos que desempenhou destacam-se o de Secretário da Universidade, entre 1889 a 1895, o de Diretor do Laboratório de Anatomia Descritiva e Topográfica, de 1911 a 1921, o de Diretor das Enfermarias de Doenças Infetocontagiosas, de 1912 a 1926, e o de Diretor da Clínica de Tuberculosos, entre 1924 e 1926. Foi também encarregado dos estudos clínicos, bacteriológicos e meteorológicos proveitosos para o tratamento dos tuberculosos no planalto da Serra da Estrela. Colaborou com o Dr. Sousa Martins, durante o Verão de 1888, na assistência gratuita de doentes na Serra da Estrela, inserido num projeto científico onde defendiam a criação de sanatórios na Serra, usando a climatologia como tratamento da tuberculose.

Para a escolha da carreira de professor de Anatomia não deve ter sido alheio o facto de ele ser possuidor de uma memória prodigiosa, tão necessária nesta disciplina, só comparada no seu tempo à do seu genro, o Dr. José Caeiro da Mata, professor da Cadeira de Direito Peninsular, uma espécie de Anatomia da Faculdade de Direito, e talvez também à do Dr. Marnoco e Sousa, professor de Direito, que nos domínios da hipermnésia seriam equivalentes, segundo consta nas memórias do Dr. Jorge de Seabra no seu livro “A Coimbra Académica do meu tempo”.

  
                Fig. 10 – Casa do Esporão -  2015                       Fig.11 – Brasão dos Viscondes do Vinhal

Em 1889, com cerca de 32 anos, o Dr. Basílio casa no Esporão com Dona Ana da Cunha Freire Magalhães, filha do Dr. José da Cunha Magalhães, bacharel em direito e advogado em Oliveira do Hospital, e de Maria da Glória Garcia Borges Cardoso, do Esporão, irmã do Dr. Agostinho Borges de Figueiredo e Castro, um poderoso e rico proprietário, dos maiores da região. O Dr. Agostinho viria a ser agraciado nesse mesmo ano, pelo Rei Dom Carlos, com o título de Visconde do Vinhal, por decreto em 19-12-1889. Também nesse ano terá sido construída a Casa do Esporão, talvez a capela tenha sido inaugurada com o casamento.

A título de curiosidade, o Dr. Agostinho, bacharel em direito pela UC, era advogado e um inimigo declarado de João Brandão. A questão terá começado em 1854, ano da sua formatura aos 25 anos, quando a esposa de João Brandão, D. Ana Cândida Correia Nobre, que comprara em 1842 ao pai do futuro Visconde, Domingos Borges de Figueiredo, um olival de que este era possuidor na Várzea de Candosa e o filho, por razões várias, agora contestava. Tornou-se assim seu inimigo culminando, como testemunha acusatória, no célebre processo da morte do padre Portugal, que viria a condenar João Brandão ao degredo para África. (Apontamentos da vida de João Brandão, pág. 152 a 156)

Após a morte do Visconde, por não ter tido sucessão, foi herdeira da Casa do Esporão a sua sobrinha, esposa do Dr. Basílio Freire. Contudo, este irá viver grande parte da sua vida em Coimbra, no Penedo da Saudade, dedicado à família e à Medicina. Uma das suas filhas, Maria da Glória da Cunha Magalhães Freire, nascida em 18 de Agosto de 1890, casa em 23 de Abril de 1911, na capela de Santo António da casa do Esporão, com o seu amigo e colega, Dr. José Caeiro da Mata, Professor Catedrático de Direito na Universidade de Coimbra até 1919, ano em que se transferiu para a Universidade de Direito de Lisboa, onde chegou a ser Reitor em 1927. Ela vem a falecer prematuramente, em 1938, com cerca de 48 anos.


   
    Fig. 12 – Dr. José Caeiro da Mata        Fig. 13 – Duelo de Caeiro da Mata com Manuel Afonso da Espregueira

 O Dr. José Caeiro da Mata foi também um político da Monarquia Constitucional, chegando a ser deputado da assembleia pelo partido Regenerador (liderado por Hintze Ribeiro) ficando, infelizmente, associado a um episódio parlamentar insólito. Envolveu-se num duelo ilegal, à antiga, com o ex-ministro da Fazenda, Manuel Afonso da Espregueira, embora sem daí terem resultado quaisquer ferimentos para ambos os lados, o incidente levou à queda do Governo, contribuindo para desacreditar a já débil monarquia e apressando a implementação da Republica Portuguesa. No novo regime republicano, dedica-se à carreira académica, ao mesmo tempo que inflete para a direita conservadora católica. Em 1933, no início da Ditadura, foi Ministro dos Negócios Estrangeiros e abraçou definitivamente a carreira diplomática. Em 1944, a convite de Salazar, adere ao Estado Novo como Ministro da Educação Nacional, colaborando com o governo até cerca de 1950. Faleceu aos 85 anos, a 3 de Janeiro de 1963. Segundo vem descrito na Monografia da Freguesia de Midões, de João Pinho, o Dr. Caeiro da Mata e a família passava longos tempos na Casa do Esporão, especialmente na época de veraneio.

A Casa do Esporão que, citando A Comarca de Arganil de 23-11-1937, “foi palco de um violento incêndio de 20 para 21 de novembro de 1937, suspeitando-se de mão criminosa. Ao que parece a capela foi poupada”, foi portanto reconstruida e melhorada nessa época pelo Dr. Caeiro da Mata.


 
 Fig. 14 – Dr. Basílio Freire

 
               Fig. 15 – Dr. Caeiro da Mata              Fig. 16 – Eng.º Basílio Caeiro da Mata

O seu único filho nasceu em Coimbra, em 9-08-1912, de seu nome Basílio Francisco José de Magalhães Freire Caeiro da Mata, viria a ser 2º Visconde do Vinhal, Senhor da Casa do Esporão e administrador da capela de São Pedro de Travanca. Engenheiro Mecânico, formado no Instituto Superior Técnico de Lisboa, viria a desenvolver o seu trabalho como administrador de empresas, nomeadamente na companhia de Caminhos de Ferro Portugueses. Foi também secretário particular de seu pai, enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Educação Nacional.

Fig.17 – Os Viscondes do Vinhal comemorando as bodas de ouro na sua Casa do Esporão.

Casou em Lisboa, em 12-10-1939, com a espanhola Margarita Rosália González-Fierro y Vina, conhecida por Margot Fierro Vina, filha de um poderoso e riquíssimo industrial e banqueiro espanhol originário de Gijon, Astúrias, Ildefonso González-Fierro Ordonez e de Florentina Vina y Campa. O seu Pai criou um império que começou durante a guerra civil espanhola e que se perpetuou durante e no pós-2ª Guerra Mundial com a exploração de minas de carvão e volfrâmio, também na área do petróleo, da indústria fosforeira e tabaqueira (tendo fundado a Fosforeira Espanhola) e ainda nas áreas da construção e das finanças, fundando o Banco Ibérico.

Fig. 18– Familia Fierro

O Eng.º Caeiro da Mata vem a falecer, com 84 anos, em 1996 e a sua esposa em 18-5-2004 terminando assim a geração do Dr. Basílio Freire, do ramo da Casa do Esporão, visto que na última geração não houve filhos. Segundo se conseguiu apurar, os herdeiros, sobrinhos espanhóis, venderam a Casa do Esporão e todo o seu recheio em 2015, ficando tudo disperso e desinserido do seu contexto histórico familiar.

Fig.19 – Casa do Esporão após o incendio de 15 de Outubro de 2018. (vista lateral)


  
Fig. 20- Casa do Esporão após o incendio de 15 de Outubro de 2018. (vista de frente)

Lamentavelmente, a Casa do Esporão sofreu novamente um violento incendio, no recente Outubro Negro de 2018, ficando bastante danificada. Espera-se que, qual Fénix renascida das cinzas, a casa seja, uma vez mais, reerguida e uma nova família a possa dignificar perpetuando a sua história junto das gerações vindouras.
Quanto ao Dr. Basílio Freire, distinto travanquense, fica aqui a minha singela homenagem!



sexta-feira, 16 de março de 2018

3 - Pessoas de Travanca com história

Feliciano da Silva

Uma perspectiva da sua vida e obra



fig. 1- Feliciano da Silva em 1958, no búzio


Estando este blog destinado à pesquisa histórica, profundamente dedicado à história local de Travanca de Lagos, não pode deixar de fazer uma justa homenagem ao benemérito Feliciano da Silva que, antes de mais, sempre se empenhou na divulgação da cultura e costumes de Travanca, contribuindo com as suas crónicas no jornal, A Comarca de Arganil, entre outros periódicos, ao longo de quase meio século, sendo uma voz de Travanca no exterior. Ainda acresce o facto de que, o primeiro documento de história sobre Travanca que li não ter sido de um livro ou site de internet, mas sim um documento redigido pelo Sr. Feliciano da Silva, resultado da sua pesquisa efetuada nos anos 70, na torre do Tombo. Outros o poderão ter feito mas não com o seu espírito de partilha. Se tivesse nascido umas décadas mais à frente seria porventura, também, um bloger ou teria um site no mundo virtual dedicado à sua terra. Essa é a sua essência.

Quase a completar 88 anos de idade(fig.2), não tem parado de nos surpreender com novos projetos, sempre com grande jovialidade e uma presença simpática e de respeito em Travanca, transversal às várias gerações. Divide a sua vida e coração entre Lisboa e Travanca, onde passa longos tempos no período do verão.



fig. 2 - Feliciano da Silva em 2017

Outrora, precisamente nesses regressos à sua terra, foi o delírio das crianças do meu tempo que, quando avistavam a sua carrinha Peugeot 504, de visita a Travanca, logo corriam, fossem pobres ou não, com o intuito de receberem um brinquedo(fig.3). Segundo diz o próprio, o Pai Natal vinha mais cedo… em Agosto. O Sr. Feliciano trazia a mala cheia de brinquedos para distribuir pela criançada, pois era proprietário de um grande armazém de brinquedos, em Lisboa, e não se esquecia dos meninos da sua aldeia. Pena tinha eu, quando era criança, de nunca ter recebido um desses brinquedos, pois o mês de Agosto era tempo de praia. Andámos sempre desencontrados! Enfim, foi o regozijo das crianças nesse tempo em Travanca.




fig.3 -  Algumas crianças em Travanca aguardando pelos brinquedos, anos 70


A sua vida, contudo, não foi fácil. Nasceu a 27 de Abril de 1930 no seio de uma família de poucos recursos, numa Travanca feudal, conservadora, profundamente religiosa e pobre. Filho de mãe solteira, chamada Maria dos Prazeres da Silva((fig.4), conhecida apenas por Prazeres Malgas, irmã do, também benemérito, José da Silva Garcia que deu o nome á rua onde ambos nasceram, numa casinha de esquina pobre.

Foi criado até aos 13 anos pela mãe e pela avó, Piedade da silva (fig.5), que herdara o apelido de Malgas da família da sua mãe, Ana da Silva, e que dizem ter origem nas características de seus olhos, comparados a malgas. Foi um matriarcado de 3 gerações, sem uma figura paterna.

Teve um irmão mais velho(fig.5), de outro pai, chamado José da Silva e com o qual manteve toda a vida uma relação especial. A sua mãe era trabalhadora rural sem instrução mas, segundo diz, era uma pessoa com grande sabedoria. Do seu pai, que nunca o reconheceu como filho, não guarda rancor. A sua mãe e avó, que tratava também por mãe, eram o seu mundo…


fig. 5 - Piedade Malgas e o neto José da Silva


fig. 4 - Prazeres Malgas















Contudo, aos 13 anos, já com a 4.ª classe, fez-se à vida partindo para Lisboa, sonhando com um futuro melhor. Foi obrigado a crescer depressa e, de menino, se fez homem. À sua chegada estava o seu tio, José da Silva Garcia. O seu primeiro emprego foi de empregado de um estabelecimento comercial, uma pequena mercearia, onde também residia. Viveu e trabalhou na casa dos patrões até aos 15 anos. Embora o tratassem bem, segundo ele conta, foram tempos muito difíceis, muito duros para uma criança.

Depois dessa mercearia viria a trabalhar em mais 3 ou 4 outras. Aos 16 anos iniciou-se como caixeiro de balcão, numa mercearia no Príncipe Real,  o Pavilhão Chinês.

Aos 18 anos foi caixeiro de praça, secção de papelaria como gosta de referir, da empresa J. C. Assunção e, por fim, tornou-se vendedor. Hoje refere com graça “de aprendiz de merceeiro cheguei a caixeiro e depois fui vendedor”.

Aos 21 anos estabeleceu-se por conta própria, como armazenista, dizendo com orgulho que o fiador foi o seu patrão, que muito estimava. Tornou-se, assim, proprietário de uma pequena empresa que foi crescendo, transformando-se num grande armazenista, na Rua Inácio de Sousa.

A sua empresa, Feliciano da Silva, Lda., era um grande armazém, essencialmente de brinquedos, artigos de praia, carnaval, artigos de papelaria fina, de prendas, cartões de boas festas e postais ilustrados. Foi comissionista da firma Jerónimo Martins. Participou em feiras internacionais em Frankfurt, Milão, Valência, etc., o que lhe permitiu viajar por toda a Europa. Laborou durante 56 anos, tendo encerrado há cerca de 10. A porta do seu escritório, essa, só a fechou há um ano. Sempre acarinhou os seus empregados, sendo que alguns eram seus conterrâneos, de Travanca. Foi o caso do Sr. António Brito, já mencionado neste blog a propósito dos craques das primeiras equipas de futebol de Travanca, que trabalhou na sua firma 44 anos.




fig.6 - .Feliciano com 22 anos
  
fig.7 -  Maria Teresa , esposa  de Feliciano

























Casou aos 24 anos com a mulher da sua vida, Maria Teresa da Silva, uma “Lisboeta de gema” (fig. 7). Nessa altura, decidiu dedicar-se em absoluto à família e ao trabalho, mas sempre gostou de viajar e nunca se esqueceu da sua aldeia. Tiveram duas filhas, Cristina Marques da Silva e Ana Paula Marques da Silva, que faleceu ainda jovem, a Paulinha dos seus versos, facto que foi muito marcante na sua vida. Diz ter tido um casamento feliz de 59 anos, embora os últimos 15 com a esposa doente e dependente. Hoje, viúvo, tem uma família alargada de 5 netos e 6 bisnetos que são a sua alegria, o seu jardim florido.

Como católico devoto e membro da centenária Irmandade de São Pedro de Travanca, sendo atualmente o seu mais antigo membro, tem participado ativamente na sua paróquia natal, tendo sido com ele que a confraria recebeu em 1997 o selo branco do Vaticano, quando comemoravam o aniversário dos 365 anos de existência ininterrupta.

fig.9- Feliciano com o irmão José da Silva

fig.8 - Festas de São Pedro













Detentor de um espírito sensível e profundamente poético, começou a escrever poesia com apenas 16 anos. Até ao seu casamento participou, também, em inúmeras peças de teatro de companhias amadoras, destacando-se a Companhia de Teatro Amador da Acção Católica. Em todos os espetáculos que realizava recitava sempre versos da sua autoria (fig.10). Ainda fez figuração em cinema, mas diz com graça nunca ter aparecido em nenhum filme. Nessa época escreveu, também, uma peça de teatro intitulada “Deus Castiga” referindo, com orgulho, não ter tido qualquer reparo da censura.

fig.10 - Feliciano declamando poesia
fig.11 - declamando poesias do  seu 1.º livro














Desde então, não mais parou de "cantar e espalhar por toda a parte" as suas dores, as suas paixões e aventuras. Resumidas em livro, em jeito de homenagem, em Julho de 2007 a Câmara Municipal de Oliveira do Hospital editou as suas primeiras poesias, com o título “Amor, ternura e Fantasia” (Fig.12). Seguiram-se mais quatro livros, todos com a chancela da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital.



fig.12 - Amor, ternura e fantasia
fig.13 -Ao nosso semelhante dai um sorriso!















fig. 15 - No lançamento do seu 3.º livro



fig. 14 - 3.º livro - Amar não é só paixão













O seu segundo livro, editado em 2011, veio a chamar-se “Ao nosso semelhante dai um sorriso”, com apresentação na feira do livro em Oliveira do Hospital (fig.13), e o terceiro foi lançado em Setembro de 2013, com o título “Amar não é só paixão”, que incluiu algumas das suas crónicas do jornal “A Comarca de Arganil”, com capa de Tiago Cerveira( fig. 14 e 15).


fig. 16 - 4.º livro - O amor nunca esquece
fig.17 - No lançamento do seu 4.º livro















O quarto livro saiu em 2015 com o nome “ O amor nunca esquece”, capa também de Tiago Cerveira (fig.16), onde incluiu a sua peça de teatro criada em 1954, tendo o seu lançamento ocorrido na sede da recém-inaugurada Liga de Melhoramentos de Travanca (fig.17).


fig.18 - O seu último livro- O meu lindo jardim florido

O seu mais recente livro foi editado em 2017 e intitulado “O meu lindo Jardim Florido”(fig.18). Foi, novamente homenageado, em 16 de Julho de 2017, desta vez pela Junta de Freguesia de Travanca de Lagos, representada pelo seu presidente, o sr. António Soares, que lhe ofereceu uma placa alusiva ao momento (fig. 20), e pela Irmandade de São Pedro, representada pelo juiz da irmandade, sr. Tomás Pedro, tendo-lhe sido oferecida uma imagem do santo padroeiro, com uma dedicatória (fig. 19).


fig. 20
fig. 19 

Todos os seus livros têm um fio condutor que os liga, a simplicidade, a sinceridade, o amor pela família, pelos amigos e por Travanca. São uma autobiografia, o espelho da sua dor e paixão. É um trovador de Travanca. A escrita é a sua voz e com ela tem sabido difundir a cultura e os costumes de Travanca e homenagear as figuras marcantes do seu tempo.

Viva o Sr. Feliciano da Silva!